sexta-feira, 11 de março de 2016

Angola & Literatura - 'CRÓNICAS DA RODA GIGANTE', de Ernesto Lara Filho - Porto 1990 - RARO



Angola & Literatura - Recolha de escritos publicados em diversos órgãos de comunicação social


'CRÓNICAS DA RODA GIGANTE'
De Ernesto Lara Filho
Prefácio de Artur Queiróz
Edição Afrontamento
Porto 1990


Livro com 228 páginas e em muito bom estado de conservação.
De difícil localização.
Raro.


Do prefácio:
"(...)
Entre estes cronistas, é justo destacar dois nomes: Bobella Mota e Ernesto Lara Filho. Do primeiro não falaremos porque o objectivo deste trabalho é falar de (alguns) marginais que povoam as letras angolanas e do mais importante de todos eles, precisamente Ernesto Lara Filho.
Bobella Mota, com efeito, foi um dos mais brilhantes jornalistas angolanos de sempre, mas representa também a crónica oficial, arrumada e limpa.
Pelo contrário, Ernesto Lara Filho foi um esbanjador de talento, o homem que começou no topo da escala e foi descendo até ao mais fundo possível, transformando-se num marginal e num jornalista desempregado. Assinou o melhor e o pior que se publicou na imprensa angolana. Mas as sua crónicas veiculam sempre o ideal nacionalista, embora por vezes de uma forma confusa.
Por isso, falar de uma literatura marginal angolana é fatalmente falar de Ernesto Lara Filho.
(...)
E a poesia deixou de ser um jogo de palavras onde rimavam mulatas com palmas de palmeiras, os jornais deixaram de ser repositórios de lugares-comuns da classe dominante, a linguagem da sua ideologia.
Surgem claramente os primeiros gritos de revolta contra a sociedade colonial. À frente desse grupo estão figuras como Mário Pinto de Andrade, Viriato da Cruz ou Agostinho Neto. E aparece o 'JORNAL DE ANGOLA', órgão oficioso do grupo de intelectuais nacionalistas.
Pois bem. Uma das figuras mais importantes da literatura angolana colabora neste jornal, onde foi, sem qualquer dúvida, um dos nomes mais sonantes e o que mais conhecido se torna do grande público: Ernesto Lara Filho.
Durante alguns anos, ele assinou nas suas páginas as 'CRÓNICAS DA RODA GIGANTE', que dão nome a este volume de prosas.
(...)
Por isso o 'JORNAL DE ANGOLA' foi derrubado. Muito intelectuais angolanos (ou portugueses radicados em Angola) foram perseguidos, aprisionados e massacrados.
Ernesto Lara Filho viveu todos esses acontecimentos. As suas crónicas fizeram subir ainda mais alto a fogueira da contestação. Morreu quando o seu país já estava livre e independente do jugo colonial. Festejou essa independência, como se as suas mãos estivessem a erguer a bandeira angolana naquele dia 11 de Novembro de 1975. Mas nunca esteve na primeira linha. Nem em linha nenhuma. Foi sempre um marginal e um franco-atirador. O colonialismo temia o seu talento e a sua inteligência. Adulou-o e bateu-lhe duro.
Os revolucionários angolanos admiraram-no, e por isso mesmo chamaram-no para a luta armada. Nunca teriam feito isso se o conhecessem minimamente. Marcha de Paris, onde estava exilado, para Brazaville, onde o MPLA tinha o seu Quartel General. Aqui trabalha como jornalista e dá a sua colaboração num programa de Rádio da organização. Ernesto falhou. E alguns passam a considera-lo traidor. Aqueles que o conheciam e sabiam ser impossível integrá-lo numa organização revolucionária, toleraram a sua falha.
Mas desde então ficou de portas fechadas. O colonialismo não lhe podia perdoar ter-se juntado aos guerrilheiros do MPLA. O MPLA não podia tolerar que um quadro seu tivesse abandonado a luta e regressado a Luanda.
Se já era um marginal, passou a ser o expoente máximo dos marginais.
(...)
Para terminar, mais alguns elementos que ajudarão a definir melhor o retrato de Ernesto Lara Filho e também a compreender o critério de selecção deste volume de crónicas.
Em Angola, para se ser a favor da independência não era preciso ser-se revolucionário. Bastava uma dose maior ou menor de nacionalismo. E as ideias independentistas surgem precisamente por via do nacionalismo.
Ernesto Lara Filho era um nacionalista.
Em determinada época da sua vida defendeu o luso-tropicalismo (anos 50), para pouco depois abandonar a teoria.
Católico, não aceitava o marxismo. Posso mesmo assegurar que foi anti-comunista. Gostava de se definir como um liberal. Isto até finais dos anos 50. Durante a década de sessenta, pôs de parte alguns conceitos que defendia e abandonou a religião, enraizando-se ainda mais no nacionalismo, agora um pouco mais próximo do nacionalismo revolucionário. No entanto, apesar de conviver com muitos intelectuais marxistas, nunca seguiu esta ideologia.
A selecção de crónicas que efectuei obedeceu a um único critério: mostrar as múltiplas facetas do maior cronista angolano dos anos 50 e 50 e uma mas mais importantes figuras da literatura de Angola. Conhecia-o de muito perto e sei que estaria de acordo com a minha selecção. Este projecto de publicar as sua crónicas, e concrectamente as 'CRÓNICAS DA RODA GIGANTE', tinha-o ele desde 1960. Nessa altura, pretendia publicar 'as minhas trinta melhores crónicas'. Para prefaciar o livro, convidou Luís Fontoura, um antigo jornalista que fez a sua carreira profissional em Angola e hoje é figura de destaque na vida política portuguesa.
Mas nunca levou avante este projecto.
Mas atrde, em 1969, propus-lhe fazermos a recolha de todas as 'Crónicas da Roda Gigante'. Mostrou-se muito entusiasmado com a ideia. Fomos duas vezes fazer pesquisas à Biblioteca da Câmara Municipal de Luanda. Mas rapidamente trocamos a biblioteca pelos bares da cidade e o projecto ficou-se por aí.
Em Julho de 1974, fui encontra-lo no Hospital do Huambo às portas da morte. Tinha adoecido gravemente com uma cirrose, um tifo e uma pleurisia: tudo ao mesmo tempo.
Mas escapou da morte.
Pediu-me que organizasse a publicação das crónicas e de toda a sua prosa, dispersa por vários jornais de Angola. Não acreditava sobreviver às doenças que o vitimavam.
(...)
ARTUR QUEIROZ
Porto, Agosto de 1981"



Do ÍNDICE:
- PREFÁCIO
- Por Artur Queiroz;
- RODA GIGANTE
- 'Jornal de Angola', 1956 / 1958;
- REGISTO
- 'Notícia'. 1960 / 1962;
- CRÓNICAS E REPORTAGENS
- 'ABC', 1959 / 1961;
- PESSOAS & COISAS
- 'Notícia', 1962 / 1963;
- COMPANHEIROS
- 'Planalto', 1961.



Da badana:
"ERNESTO PIRES BARRETO DE LARA FILHO, nascido em Benguela, em 1932, e morreu no Huambo, em 1977. Era irmão de Alda Lara e primo de Lúcio Lara, respectivamente poeta e 'histórico' do MPLA.
Tinha o curos de Regente Agrícola (Coimbra) e trabalhou em diversos empregos (empregado de mesa, locutor, operário, etc.), em Paris, Bruxelas, Brazaville, Dakar, Moçambique, antes de, nos anos 60, se tornar um talentoso jornalista, cujas crónicas e reportagens, publicadas no 'DIÁRIO DE LUANDA', 'O COMÉRCIO', 'ABC', 'NOTÍCIA', entre outros órgãos de comunicação social, fizeram época e o tornaram muito popular.
Esteve preso pelas autoridades coloniais, que o acusaram de actividade subversiva. Gostava da boémia e praticava o bom humor permanente, numa atitude de crítica corrosiva.
Enquanto poeta, pertenceu à geração dos que, nos anos 50, produziram uma poesia com temática e estilo comuns, talvez sintetizável como uma imensa saudade de amorável infância na plácida Benguela de estilo lírico e prosaico, de que Alda Lara e Aires de Almeida Santos (justamente homenageado, em 1990, na sua terra, por decisão oficial) foram outros tantos próceres, a todos escasseando qualquer determinação de fazer (por) uma 'carreira das letras'.
Incluído, em 1959, na primeira antologia de poesia angolana editada pela Casa dos Estudantes do Império (Lisboa), o seu trabalho poético, desde então, reclama-se legitimamente da angolanidade que, após a revista 'MENSAGEM' (1951), se vinha afirmando no panorama literário africano de língua portuguesa. Publicou, sem seguida, 'PICADA DE MARIMBONDO' (1961), 'O CANTO DE MARTINDINDE' (1963), e 'SERIPIPI NA GAIOLA' (1970), livros reunidos sob o título genérico de 'O CANTO DE MARTINDINDE' (1974), numa edição da 'Capricórnio' (Lobito), recentemente retomada pela União dos Escritores Angolanos (1988). Em Portugal, Carlos Mendes e Fausto incluíram poemas dele nos seus discos.
Fica-nos a imagem do poeta avesso a honrarias, debatendo-se denodadamente contra espartilhos estáticos a favor dos gestos poéticos e pessoas de rebeldia, amigo do dialogo e amigo, lírico e simples, dessa simplicidade e leveza sem ligeireza, mas com sentimento, que lhe advinha da convivência e da itinerância, da comunicabilidade temperada pela vivacidade jornalística.
(...)
PIRES LARANJEIRA"



Preço: 62,50€;

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