sexta-feira, 22 de dezembro de 2023

Portugal - História & Ultramar - ‘A DESCOLONIZAÇÃO DA GUINÉ-BISSAU’, de Jorge Sales Golias - Lisboa 2016;






Portugal - História & Ultramar - O processo de descolonização em 1974 na Guiné, o cenário da guerra colonial mais difícil para a administração portuguesa e as suas Forças Armadas, onde a guerrilha nacionalista do PAIGC fazia progressos significativos no terreno 


‘A DESCOLONIZAÇÃO DA GUINÉ-BISSAU - E o movimento dos capitães’ 
De Jorge Sales Golias 
Prefácio de Carlos Matos Gomes 
Edição Colibri 
Lisboa 2016 


Do PREFÁCIO: 
“No caso de ‘A Descolonização da Guiné-Bissau, de Jorge Golias, a História é o trabalho sério e rigoroso, pessoal, de colocação no seu devido lugar do que aconteceu na Guiné - ‘província ultramarina’ de Portugal desde o início do processo que conduziu ao 25 de Abril de 1974 até ao fim da guerra que ali decorreu durante onze anos, à transferência da soberania para o PAIGC e ao içar da bandeira da República da Guiné-Bissau. É uma história complexa, tão importante como desvalorizada e, tantas vezes, adulterada.
O livro de Jorge Golias é também um resgate da verdade, feito com uma invulgar abordagem da escrita, em que o tempo da narrativa é o tempo da história e a aventura individual do autor é o fio de Ariadne que permite seguir a série de acontecimentos que vamos encontrar até ao embarque do último representante da soberania portuguesa em Bissau. O resultado é uma crónica dos dois anos de 1972 a 1974, que o autor escreve como se estivesse a vivê-los hoje.” 
Carlos de Matos Gomes - in PREFÁCIO 


“A Descolonização da Guiné-Bissau tinha tudo para correr mal:
Os nossos militares na Guiné, de todas as patentes, clamavam pelo "regresso imediato a Portugal";
- O povo português em Lisboa gritava "nem mais um soldado para o Ultramar;
- O PAIGC, muitas vezes, não se entendia e dava ordens contraditórias e provocatórias.
- Spínola opunha-se ao reconhecimento e defendia um referendo de continuidade numa comunidade lusíada.
A Descolonização surge assim como a síntese destes contrários, promovida pelo MFA na Guiné e pelo governador e comandante-chefe, com o apoio do MFA em Portugal.” 
Jorge Sales Golias


O AUTOR: 
“Jorge Sales Golias - Nasceu em 1941 em Mirandela, filho de Francisco Emílio Golias e de Maria Luísa Sales e irmão de José Manuel Sales Golias. Fez o 5.º ano na terra natal, e o 7.º ano (12.º) em Vila Real. Frequentou a Academia Militar e licenciou-se em Eng.ª Electrotécnica no IST.
Participou na Guerra colonial na Guiné em 72-74 e no 25 de Abril. Foi Chefe de Gabinete do Encarregado de Governo da Guiné, Assistente dos CTT/TLP e Adjunto do General Chefe de Estado Maior do Exército.
Reformou-se antecipadamente no posto de coronel, e durante 10 anos foi administrador de Empresas no ramo da Investigação e Desenvolvimento de Electrónica.
É autor dos seguintes livros A Descolonização da Guiné-Bissau e o Movimento dos Capitães, Perfil Literário de Altino Moreira Cardoso, História do Sport Clube de Mirandela, 2019, História da Fotografia de Mirandela, 2019 e História da Alheira.
É coautor de diversas publicações das quais destaca Vinte e Cinco de Abril, 10 anos depois, Os Anos de Abril e Janelas de Abril. Consta de 20 antologias.
Cronista do jornal Notícias de Mirandela e colaborador do Notícias de Trás-os-Montes e Alto Douro, revista Raízes e Referencial da A25A, Conferencista na Univ. Coimbra, ISCTE, Congresso dos Profs. História, Casa da Achada (Mário Dionísio), A25A e Assembleia de Freguesia da Penha de França e Biblioteca de Alcântara.
Consta da História de Portugal de José Mattoso e tem o seu nome gravado na pedra do monumento de Grândola aos capitães de Abril.
Foi atleta do glorioso Sport Clube de Mirandela, nos anos 50. Durante um ano sabático de 1960/1961 trabalhou na Agência Rezende, em Mirandela, onde ganhou experiência que o ajudou pela vida fora.
É sócio benemérito da Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários e Cruz Amarela de Mirandela, sócio fundador da A25A, sócio de mérito da Casa de Trás-os-Montes e Alto Douro de Lisboa, sócio da Academia de Letras de Trás-os-Montes e membro da Comissão de História das Transmissões Militares.
Participou com o Prof. Doutor Telmo Verdelho na coordenação e apresentação do livro Gente de Mirandela, do historiador Padre Ernesto Sales, Ed. Brigantia, 2014. Apoiou e prefaciou a edição do livro Passos e Laços, da poetisa mirandelense Maria Augusta Ribeiro.
Consta da Bibliografia do Distrito de Bragança do Prof. Hirondino da Paixão Fernandes e de Subsídios para uma Bibliografia de Trás-os-Montes e Alto Douro, de Nuno Canavez.
Foi fundador e coordenador da Tertúlia Transmontana em Lisboa e presidiu ao júri do Prémio Literário Prof. Doutor Adriano Moreira, iniciativa da CTMAD.
Promoveu em Mirandela, em Maio de 2019, o 1.º Roteiro Histórico da cidade de Mirandela, em 6 estações, com representações da Tertúlia Transmontana, cujo projecto foi entregue na CMM.
Tem dois diplomas de Mérito Cívico da CMM, de 2009 e 2019.
Recebeu no 100.º aniversário do Prof. Doutor Adriano Moreira o Prémio Honorífico de Ilustre Transmontano.
Dentre muitas condecorações militares e desportivas, destaca-se a da Ordem da Liberdade, Grau de Grande Oficial, pelo Presidente da República.” 


APRESENTAÇÃO DO LIVRO: 
A DESCOLONIZAÇÃO DA GUINÉ – UM LIVRO DE HISTÓRIA
Aniceto Afonso

“Este livro é uma memória de um ator privilegiado de um processo complexo.

A fonte é o protagonista que aqui está connosco – o Jorge Golias, capitão de Transmissões na época, coronel na situação de reforma hoje.

A época são os anos de 1973 e 1974 e o local é a Guiné-Bissau.

A memória dos protagonistas é uma das principais fontes para o conhecimento da História. Outra, são os documentos. Hoje, quem faz História já não assume qualquer privilégio em relação às fontes. A sua obrigação é estudá-las, criticá-las, no seu conjunto, e concluir segundo a sua convicção. Todas as fontes são legítimas e complementares.

Ora, este livro é um objeto precioso para a História. Ele transmite-nos uma memória, apresenta-nos um depoimento, entrega-nos documentos, lança interrogações, propõe-nos respostas.

Com a sua experiência de vida e com a sua sensibilidade, o Golias traz-nos um suporte essencial para uma visão mais clara de dois anos de complexos acontecimentos que mudaram a trajetória da História de Portugal e do mundo.

Porventura sem ele se aperceber, mas sabendo muito bem o que quer transmitir-nos, o autor dá-nos, com este livro, uma linha interpretativa mais clara e mais lógica desses dois anos decisivos para Portugal, para os países nascidos nesse processo e para um novo acerto do rumo da política mundial.

Mas abordemos a questão por outro prisma. A História pode ser uma luta de ideologias. Mas é, sobretudo, um encontro de interpretações.

Ora, como a História deve ser um processo de demonstrações, um confronto de factos e também uma discussão de argumentos, temos de concluir que a História nunca é definitiva e nunca está encerrada, como o Carlos de Matos Gomes bem notou no início do seu Prefácio.

Visto por este prisma, o livro do Golias assume um ponto de vista. Mas ele não quis dar-nos simplesmente o seu ponto de vista, sem o justificar. Não, o autor confronta os outros protagonistas com o seu próprio papel e de alguma forma os desafia ao debate. Como se lhes perguntasse: Foi ou não foi assim? Querem provas? A minha versão assenta nos documentos da época, na concordância de outros atores, na memória que me resta e que consolidei com a investigação que levei a cabo. Agora, se há discordâncias, só vos resta argumentar com outros factos documentados.

Mas o autor, como espírito livre que é, não escreveu sem refletir.

As lacunas assumidas estão assinaladas. Os confrontos de memória são desafiados. Os outros protagonistas são chamados a depor, a contraditar, a acrescentar os respetivos pontos de vista. O Golias não assume o privilégio da verdade, assume apenas a sua verdade.

Contudo, para nós, como leitores apenas ou como estudiosos atentos, este livro é uma preciosidade – porque revela novos factos (justificados com documentos ou referências), porque reconstrói um ambiente, porque desenha um panorama, porque descreve acontecimentos, porque justifica atitudes, porque, finalmente, explica um processo.

Ora, este processo de descolonização da Guiné-Bissau, que o próprio Golias já tinha abordado em textos anteriores, aparece agora numa dimensão suficiente para transformar o seu livro numa indispensável referência histórica.

Qual é então, a estrutura desta obra?
Os seus dez capítulos estruturam-se em quatro partes:

Primeira, o autor e a sua condição, capítulos 1 a 3 e 10;
Segunda, o ambiente e o seu peso, capítulos 4 e 5;
Terceira, a mudança em torno do 25 de Abril, capítulos 6 a 8;
Quarta, o resultado, ou seja, a descolonização da Guiné-Bissau, capítulo 9.

Uma breve análise de cada uma destas partes.

Nos capítulos 1 a 3 está desenhado o autorretrato do autor, retomado depois, no capítulo 10, para uma pincelada final. O Jorge Golias diz-nos quem é, o que sentiu, o que andou a fazer, o espírito com que encarou as suas atividades, os êxitos e fracassos das suas missões. E não quis, no livro que nos deixa a todos, excluir uma das suas joias pessoais – a surpreendente revista Zoe, do Agrupamento de Transmissões da Guiné, que dirigiu e orientou, antes do 25 de Abril.

Quando se despede dos seus leitores, no capítulo final (“Impressões e emoções à distâncias de 40 anos”) o autor regressa aos nossos dias e o panorama com que se confronta não o conforta, levando-o a encerrar o assunto com “Mas essa é já outra História, que aqui não tem cabimento”. Não tem aqui, neste livro, mas tem continuidade em outras oportunidades, esperamos todos.

A segunda parte, o ambiente e o seu peso, divide-se por dois temas principais – a situação militar e a situação política na Guiné-Bissau.

É um tema penoso, mas oportuno. Os ensaístas da “Vitória traída” continuam por aí, distraídos dos factos, mas atentos na sua convicção. É necessário abaná-los com a realidade, embora sem qualquer esperança de que venham a compreender a sua própria ilusão. Mas nós, que estivemos no terreno, que tivemos de tomar decisões, ficamos mais tranquilos com este quadro que o Golias nos traça.

É um quadro que põe a nu o estertor final dum sistema político, de uma política colonial perdida no tempo, de um regime fora do contexto da sua época.

Por aqui passam temas conhecidos, mas o Golias vê-os a partir do seu interior: “A perda da supremacia aérea”, “O cerco de Guidage”, “A retirada de Guileje”, “O inferno de Gadamael”, ou seja, “A guerra dos 3 G’s”; depois, na análise da situação política, somos confrontados com “A posição do governo português”, “A marca Spínola”, a famosa reunião de comandos de 15 de Maio de 1973, “A partida do centurião”, terminando com “O general Bettencourt Rodrigues e os sinais do fim próximo”.

É um percurso angustiante, mas agarrado com firmeza.

Neste quadro estamos prontos para mergulhar no essencial, ou seja, nas “Origens do Movimento dos Capitães”, um novo capítulo.

Ficamos então a saber, reunião após reunião, nome após nome, como começou e se consolidou o Movimento na Guiné, indelével matriz do Movimento dos Capitães, ele próprio. Como agiu, que documentos circularam, como se construiu a ideia de uma intervenção militar na política e como se consolidou a via que o Movimento veio a assumir – só com um golpe de Estado em Lisboa, e eventualmente em Bissau, seria possível derrubar o regime e abrir um caminho diferente.

Deixo-vos alguns passos importantes:

– A reunião dos capitães de 17 de Agosto de 1973 em Bissau, em que pela primeira vez, alguém afirma que só se resolveria o problema do regime com uma revolução armada. É uma afirmação ousada, que deve ter ficado na lembrança de todos os que assistiram, mas que também não deixou de incomodar alguns, menos preparados ainda para soluções tão radicais. Esta intervenção foi feita pelo capitão de Transmissões Jorge Golias.

– A assinatura do documento da Guiné, ou “Carta de Bissau”, em 28 de Agosto de 1973, primeiro documento coletivo dos capitães, com o nome de todos os subscritores;

– O papel desempenhado pelo Agrupamento de Transmissões e pelo seu comandante, tenente-coronel Mateus da Silva, que merece aqui uma primeira referência.

– A primeira comissão do Movimento dos Capitães, sua constituição e evolução, contactos e integração de elementos da Marinha e Força Aérea e também contactos com a organização do Movimento em Lisboa.

– O episódio do tenente-coronel Banazol e as subsequentes atividades do Movimento até às vésperas do 25 de Abril.

E porque o tempo passa e a narrativa conquista novas tensões e momentos de viragem, chega o narrador e também o leitor ao cume do seu percurso – o 25 de Abril na Guiné-Bissau. Mas como o processo se articulou em dois tempos, merece por isso dois capítulos, seguindo-se ao 25 de Abril, o golpe militar em Bissau no dia 26 e também as medidas tomadas nos dias seguintes.

Com estes dois capítulos, que mudam o mundo na Guiné, e que servem de guia a outros capitães, em outras paragens, ficamos a saber os pormenores de um empenhamento coletivo intenso, alargado e decisivo para o Movimento das Forças Armadas e para os seus objetivos – a mudança, as negociações, o fim da guerra, mas também a liberdade, a democracia e a construção de um futuro melhor.

Deixo-vos o percurso que o autor nos propõe:

– A tomada do poder em 26 de Abril;
– 1º Encarregado de Governo – tenente-coronel Mateus da Silva; – Incidentes no interior;
– Primeira organização de estruturas de apoio ao governo;
– 2º Encarregado de Governo – tenente-coronel Carlos Fabião;
– O MFA na Guiné-Bissau;
– Agenda do tenente-coronel Mateus da Silva;
– Encontros de Dakar, Londres e Argel;
– Legalização de partidos políticos;
– Acontecimentos deste período até 30 de Junho;
– Contratempo com ordem de desmobilização do MFA;
– Institucionalização do MFA na Guiné;
– Organização da área da Informação.

Este percurso, explicado com pormenor, leva-nos a um novo tempo, neste reduzido e intenso tempo da Guiné-Bissau – ao capítulo “A Descolonização da Guiné-Bissau”, a essência do que o autor deseja transmitir-nos.

Aqui, o Jorge Golias, participante, testemunha, narrador, vai conduzir-nos ao centro da questão, aos acontecimentos que marcaram este tempo da transferência de poder, do ato final da presença portuguesa em terras da Guiné.

Começamos devagar, pois temos de resolver ainda alguns problemas internos:

– o Movimento para a Paz, apoiado pelos emergentes revolucionários de 26 de Abril;

– a visita de trabalho da Comissão Coordenadora do Programa (Melo Antunes, Almada Contreiras e Pereira Pinto) que se desloca à Guiné em 6 e 7 de Junho e deixa preciosas informações sobre a situação em Portugal;

– ainda a “Chamada a Lisboa de oficiais do MFA”, a partir de 13 de Junho, que evidencia o desfasamento entre os planos de Spínola e o pensamento do MFA da Guiné e cujo conflito se irá prolongar;

– a Assembleia Geral do MFA da Guiné no dia 1 de Julho, com a aprovação da moção que não resisto em referir:

“Exigir do governo português o reconhecimento da República de Guiné- Bissau, aliás já reconhecida por 84 países, número superior ao daquele com os que Portugal mantinha relações diplomáticas;

Exigir o reatamento das negociações com o PAIGC, após o impasse de Argel;

Apelar para que os militares portugueses encarem a sua presença atual e futura na Guiné, como forma de prestar a sua cooperação desinteressada ao povo da Guiné, assim contribuindo para o pagamento da dívida histórica criada pelo colonialismo português”.

– uma reunião marginal dos Fuzileiros, sinal de que nem todos tinham capacidade para compreender o momento que se vivia;

– o Congresso do Povo, projeto anunciado mais uma vez pelo general Spínola, que não dava por encerrado o seu papel na resolução do processo de transferência do poder na Guiné.

Com o impasse nas negociações com o PAIGC, todos os cenários continuavam em aberto, excluindo naturalmente o prosseguimento de operações militares no terreno, que o MFA recusava firmemente e já não faria qualquer sentido. Mas as hesitações refletem-se nas relações com os guerrilheiros do PAIGC, pelo menos com alguns setores. Por isso somos conduzidos a um dos mais sensíveis assuntos e também das mais difíceis questões que o MFA enfrentou – os ultimatos do PAIGC. Estas peripécias são pouco conhecidas, resultando ainda mais importante o testemunho do Jorge Golias. O caminho leva-nos por Buruntuma, Canquelifá, Camajabá, Pirada.

Sobre este importante capítulo de múltiplas movimentações, com decisiva intervenção de Carlos Fabião, do próprio Golias e de outros elementos do MFA, não vale a pena alongar-me. Os episódios aqui ficam, como retrato da inconsistência orgânica do PAIGC, da iniciativa das suas fações, da falta de unidade na ação dos seus responsáveis.

E fica também o relato do papel de vários militares portugueses na solução dos conflitos que se instalaram no terreno. Sempre com grande empenho, com muita coragem, com a compreensão assumida de prestarem um serviço ao seu país e ao país emergente.

O caminho é sinuoso, armadilhado, difícil de percorrer. Mas o autor leva- nos até ao fim, relembrando, explicando e confrontando. É hoje reconfortante para nós que o Golias o tenha feito e que, de alguma forma, apazigue as nossas dúvidas.

Não prossigo a leitura, pois quero deixar convosco a curiosidade.

Contudo, enumero alguns dos assuntos difíceis a cuja abordagem o Jorge Golias não fugiu, e que procurou tratar com toda a profundidade possível e com a sensibilidade necessária:

– O problema das Tropas Africanas. Os dados que o Golias coloca à nossa disposição são um valioso contributo para podermos reequacionar a questão, sem contudo deixarmos de sentir este arrepio que nos atinge;

– Os encontros no Cantanhês de 15 a 18 de Julho entre o MFA local e o PAIGC, na sequência do falhanço das negociações oficiais. Aí radica o compromisso do MFA no único caminho aceitável, com repercussões em Lisboa e no futuro das negociações não só com o PAIGC, mas também com os movimentos dos outros territórios.

– A assinatura do Acordo de Argel e as suas repercussões. O modelo de Argel vai estender-se às negociações que estavam em curso com os representantes de Moçambique e não deixou de traçar uma orientação para todos os processos que se seguiram.

– A transferência de poderes, na sequência da assinatura do Acordo de Argel em 26 de Agosto, quase por completo assumida pelo MFA, para o bem e para o mal.

– Os difíceis equilíbrios dos últimos dias, e a garantia de toda a dignidade nos atos finais, desde a cerimónia da troca das bandeiras até ao derradeiro embarque das tropas portuguesas, fecho do ciclo do império em terras da Guiné, primeira cena do ato final da aventura marítima portuguesa.

Antes de algumas conclusões que devo apresentar-vos, não posso deixar de refletir convosco sobre o texto do Prefácio do Carlos de Matos Gomes, companheiro privilegiado que tem sido dos trabalhos que ambos temos levado a cabo.

Deixo-vos as reflexões essenciais:

A Guiné foi a fonte da orientação essencial da política de descolonização até 11 de Novembro de 1975, e existe uma relação dos processos de descolonização com o fim do tempo revolucionário em Portugal.

Os acontecimentos de Bissau a 26 de Abril são a matriz anticolonialista do processo revolucionário português ou seja, a rebeldia recupera a essência da promessa descolonizadora.

Algumas personagens determinantes, mas esquecidas nas brumas da memória, são agora resgatadas pelo Jorge Golias.

O primeiro nome resgatado – Mateus da Silva (Eduardo Mateus da Silva), é aquele que assume a responsabilidade histórica de conduzir na Guiné o destino de Portugal pelos caminhos traçados pela comunidade internacional nas resoluções anticoloniais da ONU. O que permite o retorno ao verdadeiro Programa do MFA, aquele que todos tínhamos aprovado e que, com surpresa, vimos amputado na manhã de 26 de Abril em Lisboa, mas logo retomado ao longo desse dia, em Bissau.

Nessa atitude primeira, radica a emergência de duas linhas do MFA, primeira fratura dos revolucionários que confluíram no 25 de Abril.

O segundo nome homenageado é Carlos Fabião, o outro herói que emerge deste texto.

Mas este texto, sendo apaziguador de dúvidas, é também fontes de novas interrogações. Quantos PAIGC havia? Quantos MFA havia? Quais são as linhas de fratura em cada um?

Tanto o Jorge Golias, como o Carlos de Matos Gomes, não podiam deixar de abordar o problema dos que se sentiram traídos e que pagaram depois, com a vida, a sua opção final. Ambos o fazem com frontalidade, sem fugirem aos contornos do drama.

Finalmente, o processo da Guiné, como todos os outros, não estavam isolados do mundo. Aí confluíam interesses diversos, de países vizinhos, de potências distantes, de protagonistas sempre atentos. A sua compreensão integral também precisa dessas circunstâncias.

Permitam-me agora que também entre, pessoalmente, neste processo de mudança. E possa referir algumas dúvidas que nos têm acompanhado, a muitos de nós que participámos nos processos de transferência de poder dos novos países.

E a pergunta que nos assalta sempre que pensamos na nossa participação nesses processos traduz-se no seguinte – valeu a pena?

Valeu a pena trocar a participação no processo de mudança em Portugal pela presença em África? O nosso esforço faz parte de alguma história? Podemos esperar qualquer reconhecimento?

Na época foi fácil empolgarmo-nos com a tarefa necessária, da transição pacífica e responsável em todos os territórios que deram origem a novos países, mas hoje, vistos os vários processos à distância, talvez possamos lamentar a ausência do único que era nosso – a construção de um novo regime em Portugal.

Nós, uns mais do que outros, perdemos a matriz da nossa democracia, perdemos a origem do nosso novo mundo, perdemos os primeiros passos. Quase diria que nos perdemos e só muito tarde nos fomos reencontrando.

Neste assunto sou juiz em causa própria, mas não posso deixar de admirar todos aqueles que, por sua livre vontade, acompanharam os processos de transição dos territórios coloniais e neles deram o seu contributo para um encerramento digno. E ainda mais admiro aqueles que não tendo obrigação de o fazer, aceitaram missões nesses territórios já depois do 25 de Abril. E muitos cidadãos portugueses (militares e civis) tiveram disponibilidade para o fazer! Julgo não estar errado se disser que também a eles este livro é dedicado.

Mas vamos ainda a outra reflexão.

A questão colonial foi o problema central do 25 de Abril. Nós sentimos que por causa da premente necessidade de acabar com a guerra se tornava necessário derrubar o regime. Foi a guerra que nos decidiu, a guerra como rosto de um regime, a guerra como causa do isolamento do país, a guerra como situação desprestigiante para o Exército. A guerra como nó górdio de um regime sem soluções.

Ora, o Golias, neste seu texto, liga-nos a essa razão inicial, sem esquecer que a questão da guerra entroncava com a própria natureza do regime – o prolongamento da guerra só foi possível porque o regime, para além de não se reger por princípios democráticos, não foi capaz de encontrar qualquer solução credível. E essa circunstância colocava aos capitães um desafio – o de compreenderem que não era possível pôr fim à guerra, sem pôr fim ao regime. Ora ficamos agora a saber que o Golias soube isto antes de quase todos nós e assim o declarou na primeira oportunidade – numa das primeiras reuniões do Movimento dos Capitães em Bissau, no dia 17 de Agosto de 1973, antes portanto de qualquer outro.

Quero então apresentar-vos um resumo das homenagens que o Golias faz com este livro. Em primeiro lugar, homenageia o compromisso, o cumprimento do dever e a dignidade dos participantes nesta última aventura portuguesa em terras da Guiné.

Depois, presta homenagem aos responsáveis maiores pela conduta do processo na Guiné, em especial os tenentes-coronéis Mateus da Silva e Carlos Fabião; homenageia também todos os seus camaradas do Movimento dos Capitães e do MFA da Guiné; homenageia todos os milicianos que apoiaram, colaboraram e sentiram as tarefas daquele momento especial; homenageia todos os soldados que, apesar das naturais dúvidas sobre as razões da continuação da sua presença, ainda assim cumpriram as missões com empenho e em certos momentos, com valentia.

Mas não faria sentido, se este livro fosse apenas de homenagem ao passado. Jorge Golias dirige-se também ao futuro, àqueles que assumem hoje e assumirão no futuro a responsabilidade de conduta do nosso destino comum. A história é uma lição de vida, se a conhecermos e a soubermos interpretar. Evidentemente, para nada serve se não a conhecermos e sobre ela não refletirmos. Este livro, como livro sobre a história portuguesa recente, revela a importância das explicações metódicas e fundamentadas, que os novos saberão incorporar nas suas memórias do passado, que vale a pena ter presente.

O Jorge Golias presta todas estas homenagens com simplicidade, gratidão e esperança.

Por isso, nestas palavras que aqui vos dirijo, eu presto a minha homenagem ao Jorge Golias e julgo não estar errado se pensar que todos vós lhe dirigis também esse reconhecimento.

Muito obrigado.”


Preço: 32,50€; 

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