Portugal & Ultramar - O autor, militar português da Marinha de Guerra, relata o papel deste ramo militar na consolidação dos espaço e territórios nacionais nas antigas colónias portuguesas no continente africano
‘A MARINHA MILITAR NA OCUPAÇÃO DE ÁFRICA’
De Afonso Cerqueira (1872 - 1957)
Edição da Sociedade Nacional de Tipografia
Lisboa 1938
Livro com 36 páginas e em muito bom estado de conservação. Excelente.
De muito difícil localização.
MUITO RARO.
O Autor:
“Almirante Afonso Cerqueira - (1872-1957)
Afonso Júlio de Cerqueira nasceu em Viseu, no dia 1 de Fevereiro de 1872. Após a frequência dos estudos preparatórios na Escola Politécnica de Lisboa, assentou praça como Aspirante de Marinha em 5 de Novembro de 1888, sendo promovido a Guarda-Marinha três anos e meio depois.
De 1893 (ano em que foi promovido a Segundo-Tenente) a 1894 serviu a bordo da corveta ‘Mindelo’, tendo participado na força naval enviada ao Brasil para proteger cidadãos e bens nacionais por ocasião da ‘Revolta dos Almirantes’.
Ainda durante os seus primeiros anos de Marinha, é de realçar a viagem à Índia que efectuou, à vela, pela Rota do Cabo, a bordo do transporte ‘Pêro de Alenquer’, em 1899, que teve a duração de 339 dias.
Personalidade multifacetada, especializou-se em diversas áreas técnicas e operacionais, consoante as funções que ia sendo chamado a desempenhar. Tirou, assim, os cursos de Meteorologia; Metralhadoras Pesadas e Ligeiras; Gases de Combate; Artilharia; Torpedos, Minas e Electricidade; Radiotelegrafia, Sinais e Comunicações; e Aeronáutica (observador). Em quase todas teve ocasião de revelar os seus múltiplos talentos, numa vasta panóplia de cargos e de missões.
Entre 1902 e 1903 efectuou uma estação naval em Moçambique (faria quatro estações em África ao longo da sua carreira de Marinha), onde comandou a lancha canhoneira ‘Cherim’, o vapor ‘Baptista de Andrade’ e o transporte ‘Álvaro de Caminha’. Nesse período, em que teve o seu baptismo de fogo, participou na campanha do Barué, em que foram pacificadas as populações nativas das margens do Angoche. Também por essas alturas (Novembro de 1903) efectuou, a bordo do ‘Álvaro de Caminha’, o reconhecimento da barra do Muebazi (a primeira entrada de um navio de guerra naquele rio) e o estabelecimento de um posto no Tejungo.
Ainda nessa comissão, notabilizou-se pelo notável sangue-frio que revelou aquando da explosão do paiol de munições da fortaleza de S. Sebastião, tendo a sua pronta e corajosa acção sido determinante para pôr fim ao pânico da população, prestar socorro às vítimas e controlar o incêndio subsequente, sempre sob o perigo de novas explosões. Recebeu aí os seus primeiros louvores e, além dos que constam nos registos oficiais, os rasgados elogios de um colono que escrevera às filhas relatando entusiasticamente a proeza do jovem oficial. Este viria, mais tarde, a desposar uma delas.
O seu espírito humanitário e intrépido revelar-se-ia novamente em Novembro de 1905, quando, comandando a canhoneira ‘Vouga’, socorreu as embarcações que tinham sido arremessadas contra a costa da Galé durante um violento temporal.
No período conturbado da 1ª República viu-se envolvido nas diversas lutas civis resultantes: em 1911 comandou as forças de Marinha que combateram a incursão monárquica no Norte do país, em 1917 bateu-se contra o movimento revolucionário de Sidónio Pais e em 1919 combateu as tropas monárquicas instaladas na Serra de Monsanto. Neste último combate demonstrou o seu carácter humano e, mais uma vez, um impressionante sangue-frio, ao proteger os prisioneiros monárquicos (entre os quais se encontrava o seu antigo comandante, João de Azevedo Coutinho, a quem não deixou de cumprimentar militarmente) contra a fúria de um grupo de populares armados que pretendia fazer justiça pelas próprias mãos, bradando ‘Rapazes... Não me obriguem a arrepender-me de ter sido republicano toda a minha vida!... Marinheiros, estão entregues à honra das camisolas de alcaxe aqueles prisioneiros!...’. Republicano convicto, saliente-se, porém, que em todas estas lutas se bateu sempre pela ‘legalidade’, isto é, alinhou sistematicamente pela facção legitimada no poder, embora nem sempre do lado vencedor (como na ocasião em que fez frente às forças sidonistas). Orgulhava-se de nunca ter aceite qualquer cargo político, apesar das muitas propostas que recebeu nesse sentido, e sempre se gabou do facto de nenhuma das suas muitas condecorações ter sido ganha naquelas lutas fratricidas!
Seria, porém, no âmbito do envolvimento português na Grande Guerra que viria a ganhar nome, mais concretamente no teatro de operações do Sul de Angola. Para lá seguiu, em 1915, integrado no Batalhão de Marinha, que, juntamente com forças do Exército, sob o comando do General Pereira D’Eça, constituiu uma respostas às incursões alemãs nos nossos territórios africanos (ainda o estado de guerra entre Portugal e a Alemanha não fora formalmente declarado) e à sublevação dos nativos por elas conduzida. Diga-se, em abono da verdade, que estes tinham sido muito bem treinados e armados pelos nossos adversários, dispondo de espingardas Mauser e Kropatchek e de um vasto stock de munições (entre as quais as temíveis dum-dum), estando, portanto, já muito longe das hordas selvagens e indisciplinadas encontradas durante as missões de pacificação em África dos fins do século XIX.
Cerqueira não levou muito tempo a distinguir-se. Ainda como Primeiro-Tenente, em Maio de 1915, comandando o posto avançado de Tchicusse, teve conhecimento, através de um padre francês, de que um grupo de missionários da missão de Tchipelongo se encontrava ameaçado pelo gentio. Para lá se deslocou, por sua iniciativa (dada a urgência da situação, não havia tempo de esperar por ordens superiores, embora, por uma questão de formalidade, as tivesse mandado pedir), com a sua companhia e com a 15ª companhia indígena de Moçambique, tendo conseguido libertar os missionários após um árduo combate. Ferido por um projéctil durante a refrega, aguentou firme até ao seu desfecho, sem jamais ter deixado esmorecer o seu ímpeto. O objectivo não tinha qualquer valor estratégico, mas nem por isso Cerqueira deixara de cumprir aquilo que considerava ser o seu dever como militar e, sobretudo, como homem. A acção, que lhe valeu os maiores elogios, teve, no entanto, o mérito adicional de elevar o moral das tropas.
Seguiu-se uma campanha contra os rebeldes Cuanhamas, que se iniciou, em Junho do mesmo ano, com a conquista do Humbe (ocupado sem luta, embora à custa de extenuantes e penosas marchas). Foi no decurso dessa acção armada que se travou, a 20 de Agosto, a batalha que, definitivamente, o viria a celebrizar com o título de ‘Comandante Cerqueira’, em que, já como Capitão-Tenente, comandava o Batalhão de Marinha. Pela sua importância no contexto biográfico do ilustre Oficial, este episódio merece uma descrição mais detalhada:
Tendo já penetrado muito para dentro de território cuanhama, e após uma escaramuça inicial (que tinha sido uma espécie de ‘sondagem’ ao espírito combativo dos portugueses), avançava o corpo expedicionário, formado em quadrado, pelas cacimbas de Môngua, quando, no dia 18 de Agosto, foi atacado por forças inimigas numerosas e muito bem equipadas de armas de fogo. Intrépido, desafiando a morte, o Comandante passeia, despreocupado, fora das linhas, diante do estandarte desfraldado do Batalhão, que é empunhado pelo sargento Pereira da Silva.
Era o prelúdio de um ataque muito mais feroz, dois dias depois, com o grosso das tropas do Mandume (o soba cuanhama), num total de cerca de 60 mil guerreiros. Cercado numa clareira, com muitas baixas sofridas, após várias horas de desesperada resistência e sem vislumbrar saída de tão aflitiva situação, decidiu o General Pereira D’Eça dar ordens ao Batalhão de Marinha para, juntamente com os Landins e parte da Infantaria, efectuar uma carga à baioneta, a pé, contra as posições indígenas. Mesmo não sendo obrigado a fazê-lo, Afonso Cerqueira não hesitou em carregar à frente dos seus homens, tendo sido o primeiro a saltar para fora da protecção do quadrado. A primeira carga, embora impetuosa e lançando o pânico entre as hostes inimigas, não surtiu o efeito desejado, pelo que foi necessário efectuar uma segunda, desta vez com tal valor que o gentio se viu forçado a retirar em debandada.
Com a tomada de N’Giva (que foi encontrada praticamente abandonada, apenas apresentando um ou outro foco isolado de resistência), quartel-general do Mandume, terminava a ocupação militar do Sul de Angola. Depois disso, era o regresso à Metrópole, com as nossas forças a serem devidamente vitoriadas. No seu relatório, entre outras referências elogiosas ao Batalhão de Marinha, o General Pereira D’Eça, escrevia:
Devo destacar neste brilhante feito de armas o capitão-tenente Cerqueira, que carregou à frente dos seus pelotões, sem que tivesse obrigação de o fazer, dando, mais uma vez, prova da sua têmpera inexcedivelmente militar, que o fez mostrar sempre aos seus subordinados ser o primeiro em todos os momentos críticos da guerra, quer derivados aos combates, quer das privações que à guerra são inerentes.
Mas o grande conflito mundial estava longe do seu termo, e eis o valoroso Comandante Cerqueira chamado a desempenhar nova missão, desta vez no Mar: entre 1916 e 1917, no comando do contra-torpedeiro ‘Guadiana’, escoltou, com sucesso, vários comboios que cruzavam as perigosas águas do Atlântico, infestadas de submarinos alemães.
Atraído pela novíssima Aviação Naval, desempenhou, de 1917 (o ano em que foi criada) a 1922 o cargo de Director deste serviço, que organizou no conturbado período da Grande Guerra e, depois, engrandeceu, participando na organização de raids aéreos à Madeira e ao Brasil. O heróico combatente de terra e mar aventurava-se, agora, pelo Etéreo Elemento.
Nesse período, em que a navegação aérea alcançou estatuto científico, foi realizado um voo experimental Lisboa-Funchal por Gago Coutinho, Sacadura Cabral e Ortins de Bettencourt (1921), em que se testou, com sucesso, o rigor dos novos métodos de posicionamento. Estava preparado o terreno para, no ano seguinte, os dois nossos maiores aviadores navais se cobrirem de glória e alcançarem notoriedade mundial com a sua travessia aérea do Atlântico Sul, entre Lisboa e o Rio de Janeiro, empresa em que o grande herói de Cuanhama pessoalmente muito se empenhou.
Deixa o cargo em 1922, por atritos com o Poder Político (o seu espírito indomável causava alguns incómodos), para comandar o transporte ‘Pedro Nunes’. Mas também aí a sua frontalidade lhe causou dissabores: estando a preparar-se uma viagem ao Rio de Janeiro, no âmbito da participação portuguesa na exposição comemorativa do Centenário da Independência do Brasil, não aceitou que um elemento da sua guarnição fosse substituído à última hora. Dirigindo-se ao Ministério da Marinha para manifestar a sua total oposição a tal medida, aí mesmo recebeu ordem de prisão pela desobediência, o que, de resto, até nem estranhou, pois até já ia de malas aviadas!
De 1929 a 1934, após uma muito elogiada passagem pelo Estado-Maior Naval (onde reorganizou o Curso Naval de Guerra), regressa à Aviação Naval. Tinha previamente tirado o curso de observador aeronáutico, até aí reservado apenas a jovens oficiais. Mas Cerqueira mantinha uma eterna e invejável jovialidade, fazendo-se permanentemente rodear desses mesmos jovens que, não lhe levando a palma, nele viam um exemplo a seguir religiosamente.
Homem de grande cultura geral e profissional, foi escolhido para participar no Congresso da Federação Internacional dos Antigos Combatentes (Lisboa, 1931), no Congresso Militar Colonial do Porto (1934) e no Congresso de História da Expansão Portuguesa no Mundo (Lisboa, 1937). No âmbito da sua participação neste último congresso, publica, em 1938, o seu singelo e despretensioso, conquanto exacto, testemunho das campanhas africanas em que se vira envolvido (além de outras de que fora contemporâneo): A Marinha Militar na Ocupação de África. Foi ainda membro da Comissão de Aviação Comercial, Presidente da Comissão Central de Pescarias, membro da Société Belge de Astronomie et Physique du Globe, membro da Commision Metéorologique International e colaborador dos Anais Meteorológicos das Colónias e dos Anais do Clube Militar Naval.
Afonso Cerqueira passou à reserva a 1 de Fevereiro de 1934, como Capitão-de-Mar-e-Guerra, tendo, três meses mais tarde, sido promovido, por distinção, ao posto de Contra-Almirante.
Entre várias distinções, possuía o grau de Oficial da Ordem da Torre e Espada, os graus de Cavaleiro e de Comendador da Ordem Militar de Aviz, uma Cruz de Guerra de 1ª Classe, a Medalha da Vitória (dos Aliados na Grande Guerra), Medalha de Ouro de Comportamento Exemplar e 3 Medalhas de Ouro das Campanhas do Exército Português. Além dos navios atrás mencionados, comandara, ainda, as canhoneiras ‘Faro’ e ‘Lagos’; o rebocador ‘Bérrio’; os vapores ‘Funchal’ e ‘Cabo Verde’; o caça-minas ‘Azevedo Gomes’; e o cruzador ‘S. Gabriel’.
Faleceu em Lisboa a 31 de Março de 1957, não sem que antes tivesse o justo prémio de receber, em vida, algumas das homenagens que lhe eram devidas, assim como a veneração das gerações mais novas que puderam ainda ter o privilégio de conhecer a sua alegre popularidade, a sua contagiante simpatia e, acima de tudo, a humilde simplicidade de quem sempre encarou as suas proezas guerreiras como mais uma tarefa do dia-a-dia.”
In - ‘Patronos dos cursos tradicionais da Escola Naval’
Preço: 0,00€; (Indisponível)
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