África & Descolonização - 'ANGOLA ENTRE O AMOR E O ÓDIO', de Filomena Carreira - Brasil 1998 - RARO

África & Descolonização - Uma autobiografia da descolonização e do drama geral do povo angolano


'ANGOLA ENTRE O AMOR E O ÓDIO'
De Filomena Carreira
Editora Harbra
Brasil 1998


Livro com 116 páginas e em muito bom estado de conservação.
De muito difícil localização.
RARO.


A AUTORA:
"Fui dormir rica e acordei pobre. Meu pai, um renomado engenheiro civil, não acreditava muito nos rumores de uma possível guerra e não se preparou para o pior. Muita gente já estava estocando alimentos e outras até saindo do país. Um dia, quando saímos para fazer as compras do mês, as prateleiras do supermercado estavam vazias. O que tínhamos na despensa era suficiente para apenas uma semana. Éramos nove pessoas em casa, contando os três empregados, e não seria possível nos manter com o que tínhamos. No mercado, cada pessoa só tinha direito a uma peça de cada produto, as filas eram imensas e a briga por comida era algo animalesco. Apenas uns poucos estabelecimentos estavam autorizados a comercializar, e mesmo assim sob a supervisão de soldados. Eu cheguei a roubar para conseguir comida e até a arriscar minha vida por um cacho de bananas", conta Filomena Carreira.

O dia 13 de setembro de 1975 está marcado na memória da escritora humanitária como um dos mais tristes de sua vida. Foi nesta data que deixou seu país e acreditou que jamais veria seu pai novamente.

"Meu pai nos levou no aeroporto. Ele queria ter certeza que realmente embarcaríamos. O clima era o pior possível. Tensão, medo, tristeza. Na revista, até as partes íntimas eram verificadas, para que ninguém saísse do país carregando diamantes. Minha mãe passou por esta humilhação, mas não permitiu que as guardas me tocassem. Mesmo assim não escapei de levar uma coronhada na cabeça. Tudo porque um soldado cismou que o pacote de fotos que eu levava eram diamantes. Confesso que fui bem atrevida ao mandar que ele mesmo abrisse o pacote se quisesse saber o seu conteúdo. Depois de catar as fotos espalhadas pelo chão e de ganhar uma forte dor de cabeça, fui para o avião prometendo a mim mesma que um dia voltaria para o meu país e sendo recebida com honra. Dentro do avião, percebi que minha blusa estava suja de sangue. Uma aeromoça deu os pontos em minha cabeça em pleno vôo".

No Brasil, os Carreira refizeram a vida. O Sr. Luís também conseguiu escapar de Angola usando um disfarce. Na Bahia, Filomena casou, aos 16 anos, e teve três filhos. Seu pai, se estabeleceu como engenheiro civil e chegou a construir um prédio em Salvador, onde comprou um apartamento para a família. Pouco tempo depois, morreu devido a um câncer. Após o falecimento do Sr. Carreira, a família resolveu mudar-se para São Paulo. Na capital paulista, uma nova história começou a ser escrita na vida da angolana Filomena. Primeiro veio a separação e, depois, a notícia do primeiro câncer.

"Logo que me separei, comecei uma maratona de trabalho para conseguir a renda necessária para manter a vida que levava num enorme apartamento nos Jardins. Meu marido não nos dava pensão e, de uma hora para outra, me vi sendo doceira, muambeira, vendedora de cosméticos e marchand. De dia fazia doces por encomenda, com a ajuda da minha empregada. À tarde, saía para vender meus cosméticos e produtos trazidos do Paraguai e à noite comercializava quadros e objectos de arte. Foi nessa rotina frenética e sem poder dar muita atenção para os meus filhos que soube, numa consulta ao ginecologista, que estava com câncer no útero. A notícia desabou sobre a minha cabeça como uma bomba. Caí em depressão e fiquei trancada no quarto por praticamente 15 dias sem querer ver ninguém. Foi meu ex-marido que, nesse momento, acabou sendo minha salvação. Quando ele soube do meu estado, correu para o apartamento e me deu o sacode que eu precisava. Disse que se eu achava que ele ia cuidar das crianças sozinho eu estava muito enganada. Ali eu vi que estava sendo egoísta e que meus filhos precisavam de mim."

Filomena não só percebeu a importância que tinha para os filhos ainda pequenos, como também o valor da própria vida que estava deixando passar sem sentir, com o louco ritmo de vida que vinha levando. Foi aí que decidiu fazer o que sempre sonhou, escrever uma autobiografia. Mas para isso precisava estar em um ambiente mais adequado e, para ela, o melhor lugar para iniciar sua fase escritora era a Bahia, onde tudo começou. Vendendo sanduíche na praia e com uma pequena quantia guardada, conseguia manter-se com os filhos e, nas horas vagas, pegava uma velha máquina de escrever e colocava no papel a sua história. Em um ano, concluiu seu livro e retornou para São Paulo.

"Precisa arrumar uma editora e achei que, modéstia à parte, com uma história tão boa, isso seria fácil. Mas não foi. Fiquei quatro meses correndo atrás de alguém que quisesse publicar meu livro. O pior é que eu não queria qualquer editora, só procurava as melhores, ou pelo menos as que eu assim considerava. Cheguei a receber uma proposta da Editora Três, mas como não a conhecia, recusei. Depois disso, o máximo que recebia eram cartas elogiando meu trabalho mas lamentando não poder publicar por eu não me encaixar no "perfil da editora". Mas aí, um dia, recebi o telefonema da Editora Harbra querendo marcar uma reunião comigo. Quase não acreditei, pois eu já estava desistindo de tudo. Em 1997 lancei o "Angola: entre o amor e o ódio". Para o lançamento, convidei ninguém menos que o embaixador de Angola no Brasil, Sr. Osvaldo Serra Van-Dúnem. Enviei não só o convite como uma cópia da original do livro. Sinceramente não acreditei que ele compareceria. Levei um susto quando, um dia antes, ele me ligou dizendo que estava em São Paulo e que queria me conhecer. Marcamos para aquela mesma noite. Eu estava apavorada, pois ia encontrar um antigo inimigo. Quando vi aquele general vindo em minha direção, não conseguia nem me mexer. O gelo só foi quebrado quando ele me abraçou e disse em meu ouvido 'perdão por tudo'. "


Preço: 37,50€