O irmão do autor: Sebastião Alba após uma caçada aos leões |
Moçambique & Literatura - Um obra editada postumamente, de um escritor que desapareceu tragicamente na flor da idade e de quem se esperava uma profícua produção literária e de quem o irmão, Sebastião Alba o descreve na Nota Introdutória
‘CONTOS - LENDAS’
De António Carneiro Gonçalves
Nota Introdutória de Sebastião Alba (Dinis Albano Carneiro Gonçalves)
Edição da Académica L.da
Colecção O Som e o Sentido
Lourenço Marques 1975
Livro com 98 páginas e em muito bom estado de conservação. Excelente.
De muito difícil localização.
MUITO RARO.
SINOPSE:
“Carneiro Gonçalves - ‘CONTOS - LENDAS’
Este belíssimo texto tem oito brevíssimos parágrafos e é uma pungente e trágica história de amor. Kilomko encontrou Malidza, em certa madrugada, regressava ele dos seus combates. Diante do seu olhar, caiu-lhe a lança da sua mão invencível, pela primeira vez. Esperava desde então o fim das guerras para a desposar. Mas, um dia, o “nhamessoro” apareceu na aldeia para invocar o espírito das águas. No momento da dádiva, o mago poderia escolher a jovem que o impressionasse mais. Essa escolha recaiu sobre Malidza.
A lenda está no livro ‘CONTOS - LENDAS’ ou em antologias de contos moçambicanos. O seu autor: Carneiro Gonçalves.”
Nelson Saúte
O Autor:
“ANTÓNIO CARNEIRO GONÇALVES, nascido a 21 de Junho de 1941, morreu a 20 Janeiro de 1974, faz hoje 50 anos, num inexplicável acidente de viação, aos 32 anos, deixando não apenas este texto, que iria integrar o livro póstumo ‘CONTOS - LENDAS’, editado pela mão do poeta Sebastião Alba (pseudónimo de Dinis Albano Carneiro Gonçalves), seu irmão, mas também contos que dariam para um outro livro e um romance escrito e reescrito. Era jornalista, deveria integrar, naquele ano, a redacção do semanário ‘EXPRESSO’, em Lisboa, viajava para a então Lourenço Marques, hoje Maputo, onde iria apanhar o avião para Lisboa, ia também no carro o poeta Julius Kazembe.
O prefácio do livro é um dilacerado elogio de irmão para irmão. Escreve Sebastião Alba:
“Na noite de 20 de Janeiro de 1974, meu irmão ia ao volante, ao largo das estrelas. Seu companheiro de viagem ter-lhe-ia dito: “Carneiro Gonçalves, olha que noite!”; e o carro em que seguia despistava-se a vinte quilómetros de Vilanculos; ele morreria hora e meia depois, no posto sanitário dum areal nocturno. Tinha trinta e dois anos e – rigorosamente – o que sonhou. A mim, apenas quinze meses mais velho do que ele, fora destinado o definitivo infortúnio de escrever estas linhas.”
O texto de Alba é escrito vinte dias depois da tragédia e é o prólogo do livro que ele organizou. Traz duas lendas, entre as quais ‘Malidza’, contos e o fragmento de uma novela. Um ano antes, na revista ‘TEMPO’, no suplemento literário dirigido por Rui Knopfli, que o entrevistara, o autor de ‘CONTOS - LENDAS’ deixaria a sua biografia sintética e magistralmente grafada: “Tenho trinta e um anos, vi a luz do dia em Braga, mas nasci em Tete. Faço questão de conhecer o Zambeze. Com os contos que tenho poderia pelo menos publicar dois livros. Lá virá o dia. Ensaiei um romance que reescrevi já algumas vezes. Ontem mesmo ia na primeira página...”
‘Malidza’ é um dos textos da minha mitologia literária. Acompanha-me desde o secundário. Nele fui sufragar o seu riquíssimo vocabulário, as expressões linguísticas, as metáforas. Um único parágrafo daria para discussão de uma aula inteira. O dicionário para encontrar o significado das palavras. O exercício da sinonímia. A riqueza vocabular, a riqueza semântica, a expressiva capacidade de contar, em pouco mais de três páginas, uma belíssima história seriam, para mim, uma grande lição de escrita.
Aprendi ainda, com este texto, que a narrativa ou a prosa não eram expressões despidas de poesia. Antes pelo contrário. A bela prosa era também a expressão cabal de boa poesia. O ritmo das frases. As suas metáforas. As suas imagens. O seu encadeamento. As suas invocações. A escolha das palavras. As palavras certas na frase. As palavras escolhidas com desvelo. As palavras ditas com enlevo. As palavras escritas com inequívoca beleza. A musicalidade das palavras.
Em 2005, foi publicado em Portugal o volume ‘A Escrita de Anton’, de Carneiro Gonçalves (organização e estudo introdutório de Calane da Silva e notas biobliográficas de António Sopa), que recolhe os textos que haviam sido dados à estampa na recolha ‘CONTOS - LENDAS’. Acrescenta-se-lhe uma lenda pelo menos, alguns contos, crónicas e um punhado de textos puramente jornalísticos. Li o longo texto do Calane da Silva, polvilhado de muita informação, que ajudam a compor o perfil deste escritor desaparecido precocemente. Chamavam-no os mais próximos de Anton, o nome do seu primeiro contista predileto, Anton Tchekov.
Rui Knopfli num texto remoto dizia-nos: “Carneiro Gonçalves comete às letras moçambicanas o ânimo e a frescura do seu discurso lesto e elegante, de um rigor que não pactua com fáceis efeitos de embelezamento, antes se cinge aos calculados riscos de uma disciplina que é, simultaneamente, a da cultura e a de uma ática simplicidade. (...) Razão, talvez, por que a sua prosa desencadeia em nós a fragrância de um vinho novo e generoso, acidulado e nobre.”
Sebastião Alba aduziria na sua lancinante evocação: “Meu irmão caminhava em sombra; caminharia sem se voltar até ao fim das nossas vidas. E, afinal, era o que a todos nos restava dele. Não estou certo de que tenha feito uma boa escolha, pois de quase nada estou seguro. Como sucede com muitos de nós, ele acreditava que aquilo a que se chama a visão de um artista é a sua primeira imagem poética do mundo, essa que ao longo da vida se busca fixar num fundo de luz permanente. Vinte dias após a morte dele, não posso ainda impedir-me de esbarrar no que se me afigura uma evidência pavorosa: a obra desde já irrealizável e a que, algum dia, lograsse acabar, tiveram para ele um mesmo e último sentido.”
Carneiro Gonçalves tinha uma estranha predileção pela lua. A lua ou o luar são títulos de seus contos ou escritos, atravessam as suas histórias. Naquela noite de 20 de Janeiro de 1974, ele ia ao volante e terá dito o seu companheiro de viagem: “Olha que noite! Que luar tão lindo!”. Carneiro Gonçalves, ao que parece, fascinado com o luar, despistou-se entregue a essa visão sublime que o prendeu ali para sempre.
No texto de Alba, redigido próximo da morte do irmão, não aparece a referência ao luar: “Que luar tão lindo!” Calane da Silva acrescenta-lhe essa frase e diz que a confirmou de um amigo indefectível de Carneiro Gonçalves, João Schwalbach. Sou amigo, há mais de trinta anos, do Julius Kazembe. Sei que ele ia com o Carneiro Gonçalves naquela noite, falámos eventualmente de Carneiro Gonçalves, mas sempre evitei abordar a história e os pormenores de um dos trágicos acidentes que marcam a história literária de Moçambique. Hoje, para além de ‘Malidza’, que recitei ao largo desta noite de lua envolta numa perseverante neblina, voltei a pensar no meu amigo Julius Kazembe e no trágico destino do Carneiro Gonçalves. Um dos melhores entre nós. Passam 50 anos sobre a sua morte e uma nuvem espessa de desmemória e deslembrança cobre-lhe o nome e a obra. O que, de todo, não é estranho entre nós, onde avulta o olvido e a omissão, o descaso e o desapreço.”
Nelson Saúte - Cidade do Cabo, 20 de Janeiro de 2024
Do ÍNDICE:
Nota Introdutória
Fevereiro de 74
DUAS LENDAS
- A Gruta de Cantaia
- Malidza
CONTOS
- A Guerra dos Cem Anos
- A Lua do Advogado
- A Mulher do Escritor
- Noite Oceânica
- O Remo
- A Patrulha
FRAGMENTOS DE UMA NOVELA INCONCLUÍDA
Preço: 47,50€;
Sem comentários:
Enviar um comentário
APÓS A SUA MENSAGEM INDIQUE O SEU E-MAIL E CONTACTO TELEFÓNICO
After your message, please leave your e-mail address or other contact.